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[Review] Pobres Criaturas de Yorgos Lanthimos

 

Por Victoria Hope

Pobres Criaturas (Poor Things) de Yorghos lanthimos, adaptação do livro de mesmo nome de Alasdair Gray é sem dúvida um dos filmes mais antecipados do ano. Tive a oportunidade de assistir durante o Festival de Veneza e fiquei muito feliz quando o filme venceu a principal categoria Festival. Vale lembrar que Pobres Criaturas estreia em fevereiro de 2025 no Brasil. 

Para quem não é familiar com o trabalho anterior de Lanthimos, é muito importante saber que seu catálogo de filmes é para lá de controverso e às vezes, difícil de digerir, como por exemplo Dente Canino. O livro que inspirou esse longa por si só, já é bem controverso. 

A abertura de Pobres Criaturas é bem reminiscente dos longas de Georges Melies, com uma certa aura bem steampunk. O surrealismo já é o foco logo no início e pessoalmente, adorei essa ideia, principalmente porque os cenários parecem verdadeiras pinturas surrealistas em alguns momentos e é claro que o famoso olho de peixe do diretor não poderia faltar. Foi uma surpresa descobrir que o filme apresenta menos CGI do que o esperado e conta com muitos cenários e objetos de cena práticos.   

Em alguns momentos, o filme se assemelha à Edward Mãos de Tesoura, mas também, tem um pouco de Doutor Moreau, o que denuncia totalmente minha idade. Isso não quer dizer que a trama de Pobres Criaturas seja exatamente a mesma de Edward, mas ambos apresentam a temática de 'peixe fora d'agua que está aprendendo a ser humano'. 


Pobres Criaturas / Foto: Searchlight Pictures

Para quem não sabe, Edward Mãos de Tesoura é uma releitura de Frankenstein assim como Pobres Criaturas e falando na obra original, é impossível não acompanhar os comentários pela internet a fora sobre como Pobres Criaturas seria uma versão feminista e 'safadinha' de Frakestein como se o Frankestein original da Mary Shelley já não fosse literalmente isso isso. 

Um pequeno spoiler: Ele é sobre isso e recomendo uma releitura aprofundada dessa obra tão rica sobre auto descoberta, seja pelo amor ou pela dor e sobre a libertação das amarras sociais impostas. Frankenstein por si só já é uma obra pra lá de feminista, então tudo o que Pobres Criaturas faz é estender essa temática com foco mais na liberação sexual. 

Nem preciso falar desse elenco formidável, afinal todos estão impecáveis, Emma Stone, Ramy Youssef, Mark Rufallo e Willem Dafoe. Todos dão um show de atuação, mas é preciso destacar a Emma e o Mark Ruffalo, que juntos, carregam muito do filme, o que sem dúvida irá arrecadar algumas indicações ao Oscar do próximo ano, mas de fato, a verdadeira força da natureza desse filme é  Emma, que apresenta em minha humilde opinião uma das melhores atuações da carreira dela após A Favorita e Mark Ruffalo não fica muito atrás, pois está  absolutamente hilário em alguns momentos e assustador em outros.


Pobres Criaturas / Foto: Searchlight Pictures

Na trama, acompanhamos a história de uma mulher chamada Bella Baxter, que é revivida por um cientista excêntrico, Godwin, interpretado de forma maravilhosa pelo Willem Dafoe. Essa mulher recebe o cérebro do próprio feto, ao melhor estilo Frankestein e a partir daí, começa a experimentar e ver o mundo com novos olhos, já que pra ela, com cérebro de bebê, tudo é novo. É muito interessante notar como aqui, o Doutor em questão, como figura controversa, é uma versão de Frankestein também, só que uma versão viva. 

O filme demora a se desenvolver, mas quando a verdadeira trama começa a ser explorada, a história se torna mágica. Aos poucos, descobrimos que Pobres Criaturas nada mais é do que a jornada de uma mulher descobrindo o que é ser mulher sem a influência do patriarcado e sem as amarras e convenções impostas pela sociedade. 

Falando sobre o figurino, que também merece indicação ao Oscar, o trabalho da Holly Waddington está  genial! Eu particularmente adoro moda vitoriana, vejam, estou falando moda e não valores, mas sim, eu simplesmente adorei o que ela fez e é tão incrível notar que conforme a personagem Bella vai amadurecendo, a forma dela se vestir amadurece igualmente. Ela começa sendo vestida pela babá com roupas típicas de bebês vitorianos e aos poucos vai ganhando camadas, novos formatos até ela chegar no guarda-roupa típico adulto.

Voltando a trama principal, a todo momento que os homens do filme tentam ditar o que Bella deve ou não fazer e como ela, enquanto mulher, deve agir perante a sociedade e é a partir  daí que ela faz o completo oposto. Sei que a vida de muitas mulheres seria diferente se a gente tivesse crescido sem ver nossos corpos como tabu, por exemplo e é isso que a Bella mostra: Ela sequer sabe o que é tabu, aquilo é o cérebro de um bebê que acabou de nascer, então ela tem uma liberdade sobre o próprio corpo e sobre os movimentos dela que realmente, nós enquanto adultos, sequer ousamos ter.


Pobres Criaturas / Foto: Searchlight Pictures

Bella Baxter tem permissão pra errar, pra se tocar, pra ser quem ela decidir que quer ser, sem a influencia das pessoas dizendo o que ela deve fazer e como ela se portar, então é claro que quando os homens ao redor dela tentam mandar, ela justamente faz o contrário, afinal, ela não tem essas amarras ainda de saber o que é apropriado ou não e afinal, quem dita o que é apropriado? 

Agora sobre o lado mais controverso, ,muita gente sabe como o Yorgos adora colocar cenas sexuais intensas nos filmes dele e aqui não é diferente. De certa forma me incomodou no começo por conta do POV que é o ponto de vista. Pessoalmente eu acho que ele poderia ter mostrado a liberação sexual da Bella de outra forma, pois tem momentos que a todo segundo o corpo dela é mostrado, enquanto o dos homens, é sempre escondido, apesar de que eles rastejam até ela. Vou ser a chata do role e dizer que muits cenas de sexo do filme são puro malegaze, ou seja, é aquela visão que busca sexualizar o corpo da mulher e fazer dela espetáculo. Eu acho que sim, o filme poderia ter tantas cenas de sexo quando precisava, mas a forma que elas foram feitas, não sei se foi o ideal.

Novamente, é muito interessante vermos Bella explorando a sexualidade dela sem pudores e sem amarras, tanto que, os personagens masculinos do filme ficam irados em como ela fala abertamente sobre sexo e sobre causar prazer a ela mesma, e isso mostra que eles estão irados porque é uma mulher fazendo as próprias escolhas. Essa mensagem é bem pontual, mas acredito que poderia ter sido mostrada de outra forma. 


Pobres Criaturas / Foto: Searchlight Pictures

Voltando ao lado positivo do filme, uma das conversas mais significativas que Bella tem, assim como no filme da Barbie, é com uma mulher idosa chamada Martha, interpretada por Hanna Schygulla, que não parece estar chocada nem estranhar a forma com que a Bella ve o mundo, na melhor forma de 'duas pessoas falando a mesma língua'. A personagem idosa não se espanta com Bella falando de sexo de forma tão livre, ela dá livros pra Bella ler e isso eu gostei demais de ver em tela. É difícil ver filmes onde mulheres falam tão abertamente sobre o assunto e sobre os corpos delas dessa forma. 

É incrível ver como Bella progride conforme ela vai observando o mundo ao redor dela e passa a questionar porque não pode ter amigos, segundo o 'amante' dela (Mark Ruffalo) e conforme ela vai lendo e se educando, ela percebe como ela merece mais do que ficar presa à aqueles homens. 

O final é muito forte pois vemos uma mulher que não precisou de ninguém pra se salvar, mas que pode sim contar com o apoio de vários amigos e familiares ao longo do caminho. Bella se construiu e reconstruiu como personagem e eu acho que essa temática, bem conto de fadas às avessas, foi excelente. 

 NOTA: 9/10

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