Por Victoria Hope
Slow, delicado drama lituano que venceu a competição no Sundance desse ano em uma das principais categorias, centra-se em uma dançarina que se apaixona por uma artista cuja sexualidade representa um desafio para ambos como casal. O filme de Marija Kavtaradze traz o desafio de abordar a assexualidade no relacionamento amoroso e sexual de um casal onde enquanto uma pessoa é ace, a outra é allo, o que significa que enquanto uma pessoa tem atração sexual e relacionamentos o tempo todo, a outra pessoa busca por uma conexão mais íntima distante do sexo.
Na trama, Lena, uma dançarina contemporânea, acaba de conhecer Dovydas, um intérprete de língua de sinais que tem a tarefa de auxiliá-la em algumas aulas de dança que ela terá de dar a um grupo de jovens com deficiência auditiva, em um programa que os levará a uma apresentação em uma praia.
Assim que acaba a primeira aula é óbvio que os dois se conectaram e logo saem de lá juntos, caminhando, conversando e se encontrando para jantar. O seu encontro é típico de um filme romântico normal, só que tem uma particularidade que o vai tornar especial e que é um dos eixos deste muito bom drama de origem lituana que se apresenta na competição internacional de Sundance.
Conforme as coisas começam a ficar mais íntimas, Dovydas deixa claro para Elena que ele é assexual. Ele não sente desejos desse tipo, nem atração física por outra ou outra pessoa. Isso não quer dizer que ele não a ame, que não tenha interesse em ficar com ela e até mesmo se apaixonar, mas para Elena tudo se torna um pouco confuso. Será que Lena será capaz de continuar com Dovydas apesar disso? Ao final do Sundance, conversei com a diretora e roteirista Marija Kavtaradze para discutir essas questões:
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Marija Kavtaradze, diretora e roteirista de 'Slow' |
Amélie: O que é intimidade para você?
Marija: Uau, essa é uma pergunta difícil (risos). Eu fiz um filme justamente para pensar sobre isso, sabe? Quando eu escolho o tema de um filme durante o processo de escrita, penso que quero algo que seja complexo e difícil para que eu não me sinta entediada e tenha motivação para continuar escrevendo e investigando sobre o tema, então eu parei um bom tempo para pensar sobre intimidade, principalmente entre dois personagens. O que é o detalhe especial que cria intimidade quando não existe o sexo envolvido? Qual é o pensamento da pessoa assexual sobre intimidade naquele momento?
Eu estava buscando os momentos que passassem intimidade e que também fossem bem realistas, então eu não saberia dizer isso de uma forma mais compacta, mas acredito que tem a ver com sentir segurança, sentir-se calmo, cuidar com a pessoa que ama e (criar) uma língua que apenas duas pessoas entendem.
Piadas que apenas duas pessoas entendem, do tipo, se você contar a piada pra uma terceira pessoa, ela não vai entender, porque é algo que só funciona entre aquelas duas pessoas, entende, sabe? Porque a piada interna só é engraçada entre as outras duas pessoas. (risos), então é isso, para mim, acho que intimidade é isso.
Amélie: Ontem me deparei com uma frase que dizia 'O amor é mais do que romance'. Você poderia destrinchar essa fala? O que entende por ela?'
Marija: Eu acho que romance, de alguma forma é algo que você olha do lado de fora, porquê para mim é mais fácil sentir romance e pensar sobre romance quando eu assisto filmes, leio livros ou ouço músicas românticas. Acho que romance é mais sobre uma percepção e amor é algo que você sente por outra pessoa ou por você mesmo, é um sentimento.
Amélie: Indo para um lado mais pessoal, se você pudesse voltar no tempo e conversar com a Marija ainda pequena que hoje é uma diretora de cinema no Sundance, como Marija criança' iria reagir?
Marija: Eu acho que ficaria muito orgulhosa, mas mini eu talvez tivesse dificuldade em acreditar nisso. Ela me perguntaria sobre o que é o filme, eu explicaria e ela ia dizer 'ew, mas o que isso que dizer?' (risos). Quando eu era bem nova e adolescente, eu sempre quis fazer filmes então eu ficaria muito orgulhosa em saber que consegui concretizar isso.
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Slow / Foto: Sundance 2023 |
Amélie: Personagens assexuais masculinos são raríssimos de se encontrar na mídia, então foi uma surpresa notar que Dovydas é o personagem assexual da história. Poderia comentar sobre sua escolha?
Marija: Justamente como você falou, tem poucas pesquisas sobre homens assexuais, menos histórias também e logo no começo, eu sabia que queria representar um personagem assexual masculino. Eu como uma pessoa sexual e uma mulher, acredito que seja mais fácil entender esse sentimento, porque é isso que mais vemos na mídia, seria fácil mostrar a perspectiva dela e apesar de que o filme destaca ambos os personagens, acho que é mais fácil para mim ver pelos olhos das mulheres.
Acho que nós como sociedade, acreditamos que é mais aceitável ver mulheres assexuais representadas, já que homens tem o esteriótipo que diz 'ah, homens só querem sexo, eles só pensam naquilo', enquanto as 'mulheres não querem, elas tem dor de cabeça'. Tudo isso uma 'realidade' enquanto crescíamos, mas aí eu cresci, conversei com amigas e percebi que muitos dos namorados delas não queriam sexo. Aí eu tive um estalo e pensei 'Peraí! Estavam mentindo pra gente o tempo todo' (risos).
É claro que existem situações diferentes, casais onde uma pessoa tem mais sex drive e a outra não, mas pode ser diferente para cada casal, então eu só queria com Slow, mostrar uma mulher que gosta de sexo, que gosta da vida e se sente confortável e um homem que também gosta da vida que leva, está confortável e que não precisa de sexo e ele não perde a masculinidade dele por isso.
Você sabe que ele sente a necessidade de 'se sentir homem', então dessa forma, escolhendo um homem assexual, eu tenho mais possibilidades de explorar papéis de gênero, o que esperamos em um relacionamento. O que é natural? O que é um relacionamento? É sobre isso.
Amélie: Nos conte sobre três filmes que definiram e inspiraram sua carreira.
Marija: É uma pergunta difícil porque eu sempre acho que vou esquecer um importante (risos), mas vou dizer que alguns filmes estavam na minha cabeça enquanto eu estava criando esse. Gosto muito do diretor norueguês Joachim Trier que se chama Oslo, August 31st. É um filme muito especial e posso dizer que inspirou minha carreira. Eu era uma estudante de filme quando vi pela primeira vez e isso me inspirou a escrever o meu primeiro filme.
Aí temos Weekend de Andrew Haigh que também assisti muitas vezes e é um dos meus filmes favoritos caso eu tivesse que fazer um top 10. Eu adoro o trabalho do diretor, adoro a forma que ele escreve, o elenco é incrível, enfim, eu poderia passar horas e horas elogiando esse título. Posso dizer que também aprendi muito com Joanna Hogg em Souvenir Parte 1 e Souvenir Parte 2, claro que são filmes muito diferentes, mas eles abordam intimidade e romance também.
Talvez um filme mais recente seria o trabalho de estreia da Carla Simón que é Verão de 1993, é um dos filmes que eu sempre volto na minha cabeça, pois Carla é uma diretora incrível e eu adoro ela. Tá vendo, esse é o tipo de pergunta que a gente pensa em falar 'preciso falar de tal filme, mas não consigo falar de todos' (risos). Se eu fosse falar de um filme que formou meu gosto cinematográfico desde adolescência seria o grande Krzysztof Kieślowski, que é um diretor polonês com filmes incríveis como 'Não Matarás', talvez esse filme me impactou mais. Depois disso, é como se nenhum outro filme que eu assisti, não chegou perto do impacto desse, pois foi esse que me fez pesquisar e querer saber mais sobre filmes.
E é claro, pra fechar, Agnès Varda, não só como roteirista, mas também como diretora, é uma grande inspiração para mim e para a minha carreira. Toda vez que eu estou escrevendo um projeto novo e penso que não está bom ou que eu deveria deixá-lo pra lá, penso na Agnès e reflito 'Se ela se preocupasse tanto com o que ela faz, ela nunca teria chegado em tantos filmes. É claro que ela deve ter passado por isso também, mas nada disso muda a carreira dela e eu tenho a impressão de que ela é uma pessoa calma e que faz o que ama fazer, então eu estou tentando pegar um pouco disso para mim.
Amélie: Atualmente um novo discurso está dominando as redes sociais, principalmente essa semana, que é a discussão sobre cenas de sexo em filmes. Enquanto algumas pessoas são contra cenas que demonstrem momentos sexuais, outras estão defendendo. Pensando nisso, como você dirigiu Slow, um filme que aborda justamente o lado da sexualidade ou falta dela, poderia comentar sobre esse assunto?
Marija: É um assunto muito interessante. Acho que se as cenas de sexo são cenas que acrescentam e não apenas cenas de sexo, acho que são importantes. Existem muitas cenas de que eu amo e são bem construídas, agora se é uma sequência erótica sendo mostrada por inteiro, eu pessoalmente não preciso, sabe? Não estou interessada porque não vejo o ponto daquilo estar ali.
Quando eu assisti Normal People, vi que tinham muitas cenas de sexo belíssimas, mas elas são todas diferentes e você pode sentir a dramaturgia de cada uma delas. Você pode ver como os personagens mudam depois dessa cena, como o relacionamento deles também muda, então eu nem diria que são cenas de sexo, são simplesmente cenas onde personagens estão fazendo sexo. Pensando na sua pergunta agora, estou refletindo, porque eu estava pensando mesmo sobre isso e tive uma ideia: 'Se nas cenas de sexo que estamos mostrando, se aquilo não parece verdadeiro, no sentido de sentimento, aquilo seria só pornô.
Isso geralmente não é nada realista, principalmente com personagens femininas, mas é claro, isso é tema pra outro dia. Então eu acho que ver pessoas que estão fazendo sexo e você vê que isso é algo que afeta e modifica o relacionamento dos personagens em cena, como por exemplo, as vezes o sexo não é bom, as vezes o personagem não gostou, ou o personagem gostou, então é importante mostrar realidade por trás disso. Você sabe, cenas de sexo em filmes de ação quase sempre não são necessárias, mas elas sempre vão estar lá (risos). Tem um timing de filme onde a cena de sexo acontece em um filme de ação, você sabe que os personagens lutaram, estão cansados e aí tem uma cena de sexo super intenso e você sabe que não faz sentido, eles nem teriam energia! (risos)
Acho que é uma discussão mais profunda porque, cada diretor precisa adicionar ao filme, cenas que ele acredite que contribuam para o andamento da trama, então acho que isso é o mais importante. Algumas cenas me deixam entediada e sempre acontecem com o uso (exacerbado) do corpo da mulher nua, sabe? E isso é algo entediante e não precisa ser.