Por Victoria Hope
Em 2023, segundo dados do francês INSEE, o Institut National de La Statistique et Des Études Économiques, 7,3 milhões de imigrantes viviam na França, representando 10,7% da população total. Quarenta e oito por cento (3,5 milhões) são nascidos na África, tornando o continente o principal de origem dos imigrantes na França e 2,5 milhões deles (34%) adquiriram a nacionalidade francesa.
Para apresentar o cotidiano de desafios, provações e perseverança e criar um ensaio sobre o cenário da imigração na França, o diretor Boris Lojkine levou às telas “A História de Souleymane”, vencedor do prêmio do Júri e de Melhor Ator para o protagonista Abou Sangaré na mostra Un Certain Regard da edição 2024 do Festival de Cannes e de quatro prêmios César em fevereiro último. O longa também foi exibido no Festival Varilux de Cinema Francês 2024 e chega agora aos cinemas brasileiros, dia 22 de maio, numa codistribuição Bonfilm e O2 Play.
Lançando mão de uma aproximação realista e documental, o filme enfrenta (assim como o seu protagonista) as ruas de Paris. Ao jogar o espectador para dentro da realidade de preconceito a partir da bicicleta do entregador guineense Souleymane Sangaré (Abou Sangaré), as contradições históricas da sociedade francesa são discutidas.
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A História de Souleymane / Foto: Festival de Cannes |
Vindo de uma das várias ex-colônias do outrora poderoso império francês, Souleymane ganha a vida fazendo entregas enquanto se prepara para o processo de asilo na antiga metrópole. Assim como antigamente os corpos da população das colônias era usado para servir, “A História de Souleymane” denuncia como os olhares contemporâneos, se não propositalmente, de forma involuntária pelo contexto social, seguem inviabilizando e negando direitos básicos a essas pessoas, no filme bem simbolizados pela força da polícia e pela grosseria de clientes.
Exibido no 15º Festival Varilux de Cinema Francês, ano passado, a obra consagra a atuação de Abou Sangaré. A partir de seus olhos, exploramos seus sentimentos. A incerteza, a dor, o frio, a insegurança, a doçura, a força. Sangaré, ele mesmo um imigrante, rouba a cena dando vida ao personagem título. A câmera intensa de Lojkine leva o telespectador ao agito dos tempos modernos. Entre o trânsito caótico de uma grande capital e o cotidiano acelerado daqueles que precisam ganhar a vida, o longa aborda temas contemporâneos que resgatam a força do cinema como um motor de grandes discussões.
Assim como seu personagem no filme, Abou Sangare é um imigrante e mesmo premiado ainda enfrenta uma série de obstáculos em busca de regularizar sua situação na França. Ele está no país desde seus 16 anos – tem 23 - e, há sete, tenta obter residência, que já foi negada três vezes. No ano passado, durante o trabalho de divulgação da produção, o ator chegou a sofrer uma ameaça de deportação. De acordo com o site francês Franceinfo, ele conseguiu uma autorização de permanência de residência, porém ainda não para trabalhar como mecânico, profissão para a qual se preparou.