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Quando subtexto e migalhas de representatividade dominam o entretenimento

 

Por Victoria Hope

Entra ano, passa ano e diversos fandoms continuam sobrevivendo de migalhas de representatividade, mas nunca a representatividade em questões raciais,  LBGBTQIA+ ou PCD na mídia. 

Quando dizemos a máxima de que o entretenimento emula a vida real, isso é fato, mas quando falamos sobre filmes, séries, livros e mídias mistas, a nuance -NÃO - deveria existir. "Ah, personagem 'x' disse que é bi, então tudo bem, ele não precisa aparecer flertando com homens e mulheres, nem precisa estar em um relacionamento com um homem ou mulher para ser canonicamente bi". 

E isso é fato na vida real, mas na ficção, é aí que que argumentos caem por terra. Por mais que o entretenimento tente transferir a vida real pras telas com maior fidelidade possível, ainda estamos falando de FICÇÃO, ou seja, ela precisa deixar NÍTIDA a mensagem, pois nem sempre a subjetividade é entendida pelo público médio.



Atuo na área de comunicação de massa, pesquisa e cool hunting faz uns anos, então posso dizer que minha área de especialização é o estudo do comportamento do consumidor de entretenimento, por isso, sempre interajo com o público online. 

Nesse sentido, posso fazer a famosa 'carteirada', como costumam dizer online, pois, quando falamos em mídia, não há espaço pra subjetividade; não quando a sociedade do mundo real ainda tem dificuldades de entender esses conceitos mais básicos. 

Se a nossa sociedade ainda tem dificuldade de aceitar bissexualidade como algo 'real' ainda hoje, tanto na comunidade hetero-cisnormativa, quanto dentro da própria comunidade LGBTQIA+, como é que espera-se que os consumidores médios entendam a importância dessa representatividade?




Falemos em Loki. A série, desde seu anúncio, contou com relatos de diretores e produtores se auto congratulando pela representatividade bissexual na série, mas quando observei vídeos de reações sobre a produção no youtube, notei que o público médio sequer notou a cena e que a frase do protagonista 'Um Pouco dos dois', ao mencionar suas preferencias em namoro, poderiam ser facilmente editadas para entrar em países onde a censura de identidades LGBTQIA+ ainda segue firme.

E quando falamos em representatividade racial então? Qual mensagem a mídia está mandando para as crianças, principalmente, quando em um filme ou série, o personagem negro as vezes é o único sozinho daquele núcleo, ou quando representa apenas criminosos? Que código você está sendo passado para crianças? E quando o cinema e a TV utilizam atores árabes para representar apenas vilões? E quando utiliza personagens asiáticos como exóticos, passivos ou brinquedos sexuais?

Isso não é representatividade. Isso é representatividade performática, que é basicamente, adicionar representatividade mínima, ou errada o suficiente para não ofender as sensibilidades do público consumidor mais conservador. 



Outro exemplo que enfurece fãs de quadrinhos, é a representação do personagem Clint Barton no universo cinematográfico da Marvel. Nos quadrinhos, Hawkeye é surdo e partir de Life As a Weapon, aprendemos que ele passou a perder a audição na infância após abusos físicos que sofreu do pai. 

Nos quadrinhos a partir dessa fase de Matt Fraction, Clint passa a utilizar língua de sinais, aparelho auditivo e aprende a fazer leitura labial. A surdez de herói é extremamente importante para o personagem, pois ele é o arqueiro mais habilidoso do universo 616, ou seja, ele consegue sentir a presença de inimigos a quilômetros de distância, porque ele treinou a vida toda pra aprender a aguçar seus outros sentidos e ser um bom agente. 

Na época de lançamento dos primeiros Vingadores, Jeremy Renner, que interpreta o herói filmes, não quis interpretar o personagem usando aparelho auditivo, mas sabem qual importância disso pro Hawkeye dos quadrinhos? 

Muitas crianças surdas passaram a se identificar e tem relatos da época, de mães, relataram em entrevistas que os filhos tinham vergonha de usar o aparelho auditivo antes, até verem o herói favorito deles usando nos quadrinhos. Você tem noção do peso disso? Representatividade real, é disso que estamos falando. 

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Estamos em 2021 e ninguém é pombo para se alimentar de migalha em migalha. Não aceitemos pouco, afinal, o mundo é diverso e se a mídia se propõe a ser o espelho da realidade, que ela seja um espelho por inteiro.

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