Por Victoria Hope
Para amantes de romances clássicos góticos, Nosferatu definitivamente foi um dos lançamentos mais aguardados após cem anos do lançamento da primeira adaptação de Nosferatu de 1922, que era originalmente uma adaptação não autorizada de Drácula de Bram Stoker e quarenta e cinco anos após o remake intitulado Nosferatu - O vampiro da noite, de 1979.
Nessa nova adaptação dirigida por Robert Eggers (A Bruxa), acompanhamos a história de Ellen (Lilly Rose-Depp), uma jovem recém-casada que é tomada por uma extrema melancolia que se extende desde sua adolescência até a vida adulta.
A jovem aparentemente tem tudo o que deseja na vida; Thomas (Nicholas Hoult), um esposo devoto que a ama acima de tudo, amigos que a acolhem nos momentos bons e ruins e um lar numa cidade pacata, mesmo com tantos traumas que assolam seu passado e ameaçam voltar à tona.
Nosferatu (2024) / Universal Pictures |
O ano é 1838, auge do período romântico, durante século XIX, na Alemanha, onde medos muito reais relacionados à pestes vindas 'do estrangeiro', tomavam forma. Thomas, que é um corretor de imóveis desesperado por uma melhora de vida, já que está completamente individado, decide aceitar fechar um negócio com um misterioso conde que mora no Leste Europeu.
Deixando Ellen para trás com a promessa de que logo voltaria, o jovem parte em uma jornada sombria por locais que nunca havia pisado anterioramente afim de firmar o contrato com esse conde, que deseja morar na mesma cidade do corretor.
Naquele período, o medo não era apenas relacionado ao estrangeiro ou apenas a peste, mas também relacionado à burguersia e a realeza, onde no auge da época, um dos maiores medos das famílias comuns, principalmente de pais e esposos, eram condes ou membros da realeza invadindo suas casas para obrigar famílias a oferecerem a mão de suas filhas em casamento em troca de fortuna e a trama definitivamente toca nesse ponto por meio de diversas alegorias.
Nosferatu (2024) / Universal Pictures |
Conde Orlok (Bill Skarsgård) ou Nosferatu, protagonmista titular da história, é a personificação de toda a dor, medo, repulsa e melancolia que Ellen sente e assim como um pesadelo interminável, atiça, machuca e manipula a mulher e todos ao seu redor.
Ele não é apenas um monstro horrendo, pois aqui ele representa a aristocracia e a elite, um Conde com inúmeras fortunas; um ser macabro que invade e viola a vida e os corpos de suas vítimas, sejam elas adultos ou crianças, pois para ele não importa, já que ele é o apetite voraz, ele é o desejo de consumir tudo e a todos sem parar até que não sobre absolutamente nada.
Absolutamente tudo em Orlok é apresentado para criar asco, porém ainda assim, sua voz sombria e sedutora hipnotiza Ellen, revelando a natureza dos desejos mais tórridos guardados no fundo do insconsciente de sua vítima.
Nosferatu (2024) / Foto: Universal Pictures |
Toda a ambientação e caracterização dos personagens é extremamente fiel à epoca, desde um pequeno botão em uma lapela ao estilo de construção da cidade ao redor que transporta o público diretamente para aquela Alemanha gótica e clássica saída diretamente dos livros.
O elenco entrega performances memoráveis, com destaque para Lilly Rose-Depp, que não tem medo de parecer assustadora e repulsiva, utilizando técnicas da dança Butoh japonesa, que representa todas as trevas e a escuridão da alma que o filme clama, além de uma clara inspiração em outro terror japonês, Ugetsu, trazendo também olhos vazios e distantes, característica principal de protagonistas de romances clássicos góticos, representando em alguns momentos, uma inocência e ao mesmo tempo, dor imensa.
Nicholas Hoult e Willem Dafoe também são destaques em seus respectivos papéis; Hoult como o jovem corretor assombrado pela figura do conde e Dafoe, vivendo o hislário professor ocultista hilário Albin Eberhart Von Franz.
Nosferatu / Foto: Universal Pictures |
Absolutamente todos os detalhes foram pensados, desde o tom de voz dos personagens à ambientação geral da história e até mesmo a escolha das flores que aparecem em tela, inclusive, o ponto mais polêmico é relacionado à caracterização do Conde, mas vale lembrar que o personagem é uma inspiração direta de Vlad Tepes, ou Vlad o Impalador, figura histórica romana da vida real que inspirou a lenda clássica de Drácula (ou Orlok, se pensarmos em termos de adaptação).
Mais uma vez Robert Eggers prova ser um dos maiores nomes contemporâneos do terror, entendendo justamente que a essência do terror gótico é ver beleza na tragédia, onde uma vítima, consegue tomar suas próprias decisões e vencer no fim, onde cenas grotescas de necrofilia dizem mais sobre o amor transcedental de uma esposa por seu esposo e de um esposo por sua esposa, do que declarações românticas em si e onde os maiores medos de uma época, são representados por alegorias que necessitam ser saboreadas para que aja um entendimento completo.
É uma pena que a academia há tantos anos ignora o gênero de terror como uma categoria premiável, pois Nosferatu merece sim muitas indicações e muitos prêmios, desde a categoria de Melhor Atriz a Melhor Ator, Melhor Direção, Melhor Figurino e Melhor Som,. Que esse seja o filme que marque a renascença do gênero gótico ao cinema no século 21!
Nota: 9/10