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[Review] Titane

 

Por Victoria Hope

Titane, um dos filmes que mais gerou polêmica durante o Festival de Cannes2021, levando para casa o maior prêmio da noite, a Palma de Ouro, chegou ao Brasil nessa semana durante a 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. [Atenção, este artigo contém spoilers] 

Dirigido pela brilhante Julia Ducournau, Titane, estrelado por Agathe Rousselle e Vincent Lindon, é mais do que um filme de terror corporal típico, pois vai muito além, apresentando uma trama que revive uma discussão muito real e atual, mesmo que usando de artifícios da ficção e gore para abordar a temática. 

Na trama, conhecemos Alexia, uma dançarina que no passado, durante a infância, sofreu um grave acidente de carro e precisou implantar uma placa de titânio na cabeça, mas os problemas começam quando após adulta, a placa de titânio faz a mulher desenvolver desejo sexual por carros, b em como despertar seus instintos mais violentos. 

Alexia / Neon Films

Pesado e grotesco, Titane é o último filme que qualquer um imaginaria recebendo a Palma de Ouro, mas a partir do momento que o público entende a crítica que está sendo feita, tudo se torna mais fácil e o peso se torna ainda maior. 

Seguindo a história de nossa protagonista, Alexia é uma dançarina sensual apaixonada, de forma literal, por carros e sendo uma das favoritas da noite, ela é uma exímia dançarina, que aproveita sua fama, para encurralar casais e matá-los, pois a placa de titânio em sua cabeça não apenas a deixou com apetite sexual por carros, mas também fez com que ela se tornasse extremamente violenta, criando gosto por assassinar pessoas por todos os lados.

Mas nem tudo são flores na vida de Alexia, que após ter uma noite de amor com seu próprio carro (sim, nossa protagonista realmente faz sexo com seu próprio carro no banco de trás), tudo começa a dar errado, pois surge uma gravidez inesperada.

Titane / Neon Films

A partir desse momento, a história se torna cada vez mais bizarra, pois com a gravidez, a protagonista se torna ainda mais violenta e num descuido, acaba sendo pega enquanto tentava assassinar mais um casal inocente.

Assustada, Alexia foge de sua cidade, quebra o próprio nariz, raspa seus cabelos e assume uma nova identidade: Adrien, um garoto adolescente que havia fugido de casa. Convenientemente, um homem chamado Vincent Legrand (Vincent Lindon), estava em busca de seu filho desaparecido e esse foi o momento perfeito para Alexia assumir essa nova identidade, se passando pelo filho perdido desse rapaz. 

Sem desconfiar inicialmente, Vincent aceita o garoto de braços abertos, acreditando que este é o jovem que havia desaparecido há anos atrás. Fora do radar da polícia, Alexia, que no passado tinha uma péssima relação com seu pai, acaba encontrando nesse estranho, uma nova figura paterna.

Titane / Neon Films

Mais do que a temática de um futuro onde humanos e máquinas possam se fundir, gerando novos hibridos, Titane toca na ferida das leis de direitos reprodutivos não apenas de mulheres, mas de qualquer pessoa que possa carregar um filho dentro de seu corpo.

Em tempos onde protestos como 'meus corpo, minhas regras' retomam força após diversas medidas de leis retrógradas que retornaram nesse ano ao redor do mundo, a diretora trás um longa que se preocupa em demonstrar a importância da escolha e como, mesmo sem querer, uma pessoa grávida, no fim, acaba sempre tendo que ceder, afinal, seu corpo "não é mais dela", aos olhos da sociedade.

Alexia nunca quis um bebê e enquanto Adrien, passa a sentir ainda mais raiva pela criatura que carrega em seu ventre, mas no fundo, mesmo após tentar interromper a gravidez diversas vezes, sabe que seu destino já está traçado. Vale lembrar que a personagem usa o nome Adrien, mas em nenhum momento diz se identificar como homem trans (apesar do filme usar diversas alegorias relacionadas à pessoas trans). 

Diretora e elenco de Titane em Cannes / Festival de Cannes 2021

Essa fluidez de gênero Alexia / Adrien, não é o que faz do personagem o vilão ou ser violento, pois Alexia sempre foi assim. A suposta identidade trans do personagem não é utilizada aqui como piada ou artifício para justificar as coisas ruins que o protagonista faz.  

Titane não é um filme para qualquer um, contém diversos gatilhos, principalmente relacionados a gravidez, disforia e horror corporal, mas é uma produção que aborda, de forma extremamente artística, a mensagem de que pessoas precisam ter autonomia por seus corpos.

Desde o acidente ou até mesmo antes, Alexia nunca teve autonomia sobre seu próprio corpo e em um mundo dominado por homens cis heteronormativos, onde mulheres e carros são objetos de desejo, Titane subverte o tema de forma curta, só para ao final, voltar para a mensagem cruel e esperada de tramas que seguem essa linha, de que nunca foi uma escolha da pessoa e nunca será enquanto as pessoas (ou objetos) em posição de poder, continuarem a usar pessoas e corpos para seu prazer. 

Nota: 8/10

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