11/08/2022
Por Victoria Hope
Pessoas são formadas de memórias e experiências adquiridas ao longo da vida, não é mesmo? Essa é a premissa da série Ruptura (Severance), produção original da Apple TV+ que atualmente recebeu 14 indicações ao Emmy Awards em diversas categorias, desde Melhor Roteiro, a Melhor Série, Design de Produção entre outras.
Criada por Dan Erickson e com direção de Ben Stiller na maioria dos episódios, a série se tornou uma das favoritas as premiações devido a equipe incrível por trás de toda essa produção, incluindo o genial Decorador de set, Andrew Baseman, que junto à equipe, conseguiu trazer à vida, todo o conceito misterioso e até mesmo analógico para os cenários de Severance.
Nossa equipe teve a oportunidade de bater um papo com Andrew e conhecer um pouco mais sobre a área de decoração e sobre a carreira de mais de 20 anos do artista que também já esteve presente em diversos sets de produções que vão desde 'Amor, Sublime Amor' a Gotham, Mindhunter e muito mais.
Amélie: Parabéns à toda equipe pelas indicações ao Emmy! Poderia nos contar como é o dia a dia típico de um decorador de set?
Andrew: Depende do dia, hoje não estou trabalhando então foi um ótimo dia pra relaxar (risos), mas quando estou no set, varia muito porque quanto estou trabalhando, minha responsabilidade e preencher o set com muitas coisas, então no caso de Severance, por exemplo, se eu estiver decorando a sala de alguém, vou receber um lugar vazio, então eu preciso fazer os carpetes, as obras de arte penduradas, os móveis, os eletrodomésticos, as paredes, o ventilador, basicamente tudo o que você vê em um set.
Então começamos tudo do zero. Trabalho com uma equipe de assistentes, fui muito sortudo com esse time que tenho, então nós trabalhamos com tudo. Primeiro temos o conceito criado pelo Designer de Produção, nós trabalhamos juntos e começamos a procurar tudo o que precisamos para fazer essa decoração, seja num quarto ou numa igreja e se for igreja, temos que procurar o que vai dentro dela, se for um aeroporto, nós temos que buscar o que seria a representação dos portões e por aí vai.
Tudo o que o roteiro descreve, nós vamos atrás, então é um processo de busca diária e as vezes estamos preparando o set para as filmagens, então eu preciso ir até lá pra ver se tudo está certo e também preciso preparar tudo para o dia seguinte e é assim que é o meu dia a dia (risos).
Amélie: Em Severance, cada mínimo detalhe é absolutamente importante para a trama. Com isso em mente, qual foi a melhor parte de trabalhar no set da série?
Andrew: Para Severance, a parte mais divertida é criar um universo que nunca vimos antes. À primeira vista ele parece um lugar 'normal', como um escritório contemporâneo ou como a casa das pessoas, mas nós não queríamos que tudo parecesse fácil de reconhecer, então isso foi sobre encontrar elementos que não fossem surpreendentes, que não fossem reconhecíveis, mas que pudéssemos contar a história através da imprecisão de tudo, por exemplo, você vagamente conhece aquilo.
Busquei por muitas coisas da europa oriental, outras coisas nós tivemos que construir do zero e buscamos por objetos que tivessem aquela vibe dos anos 50, 60, 80 e 90 também, mas que não fossem tão fáceis de reconhecer e assimilar e coisas que você não conseguiria encontrar facilmente por aí nos dias de hoje. A ideia era parecer que algo estava 'fora' de ordem, algo fora do usual e as pessoas gostaram muito do que fizemos, então acho que acertamos (risos).
Um dos trabalhos de Andrew em Severance / Foto: Apple TV+ |
Amélie: E isso funcionou muito bem, porque enquanto assistíamos, era impossível traçar em qual época tudo se passava lá dentro. Anos 60? Anos 70? Tudo realmente ficou bem vago e misterioso, o que ajudou ainda mais na imersão.
Andrew: Sim, exatamente, foi tudo intencional, então as pessoas ficaram super confusas, mas conforme a série vai se construindo, você entra na onda a acaba se acostumando com o quão vago aquilo é. Absolutamente tudo, principalmente nos objetos de cena, tem uma intenção que irá ajudar o público a desvendar os poucos o que é aquele lugar, é como um quebra-cabeças (risos.
Amélie: Como funciona o seu processo criativo a cada vez que inicia um novo projeto?
Andrew: Eu começo com o script (roteiro) e aí várias conversas acontecem. Eu não trabalho em um vácuo e faço algo do tipo 'Ah, eu vou fazer um quarto roxo', ou 'Ah, vou adicionar Art Decó nesse cenário'. Tudo isso é feito em colaboração com todos os criativos. Parte disso está no roteiro, mas para Severance, não havia nada muito específico sobre o estilo de decoração que deveríamos fazer (para o cenário), mas nós tínhamos o tom que a série queria passar e só isso, de resto, tínhamos que conversar com o diretor, também com o diretor de fotografia e com o figurinista, porque tudo o que você faz tem que combinar, não pode ser algo separado ou que tenha muitas diferenças.
Decoração de Severance / Foto: Apple TV+ |
Amélie: Qual foi o seu episódio favorito de Severance?
Andrew: Eu tenho que dizer o último episódio! Essa season finale explodiu minha mente e a mente de todos. Mesmo sabendo o que ia acontecer, até você ver tudo junto e a produção finalizada, você nem imagina como vai ficar até você ver o resultado final com o cenário que o departamento criou, as atuações incríveis e o roteiro todos juntos. Eu não tinha ideia de que aquilo ia me afetar tanto! Já assisti algumas vezes e realmente, me pegou demais e eu mal posso esperar para ver o que vai acontecer na segunda temporada, porque aquela finale nos deixou ansiosos e querendo mais!
Amélie: Filmes nos inspiram sempre então vamos para uma pergunta mais pessoal. Quais seriam 3 filmes que inspiraram e até hoje ainda inspiram sua carreira?
Andrew: Uau, isso é muito interessante! O primeiro filme que assisti quando era criança foi Mary Poppins e eu amo musicais e Mary Poppins não poderia estar mais distante de Severance (risos), mas eu amo a fantasia disso e as cores também e isso me inspirou mais tarde quando trabalhei em um filme chamado Diário de uma Babá, que fez uma homenagem a Mary Poppins e nós tivemos oportunidade de fazer isso no set também e esse foi um filme que eu amei.
Logo em seguida, Cidadão Kane, todo escopo dele, todo o filme preto e branco e o quão gigante e enorme tudo era nesse filme (em termos de cenário) e todo o contraste também, aquele filme foi incrível! Agora sobre projetos mais 'recentes', tenho que dizer Gattaca. É um filme de ficção dos anos 90 que eu achei que foi feito belamente e é bem mais próximo de Severance. Ele é futurista e ao mesmo tempo clássico, e ele definiu toda uma geração do cinema, então esses são três filmes muito diferentes que me inspiraram.
John Tuturro e Willem Dafe no set da série / Foto: Apple TV+ |
Amélie: Existe um projeto dos sonhos em qual você adoraria trabalhar como decorador de set?
Andrew: Como eu disse antes, eu amo musicais e meu musical favorito é Follies de Stephen Sondheim, um favorito cult que nunca foi filmado e lá para 1971 quando ele foi lançado, ouvia-se uma conversa de adaptação para os cinemas com os grandes de Hollywood como Katherine Hepburn e Dorothy, Debbie Reynolds, mas infelizmente todas elas já se foram e agora há conversas de uma adaptação, então, fazer um grande projeto musical seria incrível, eu também adoro obras de época, então jogue isso no balaio, um musical de época. Eu estou pronto! (risos).
Amélie: Se pudesse dar um conselho para aspirantes que sonham em atuar na área de decoração de sets na indústria, qual seria?
Andrew: Assistentes me fazem essa pergunta e eu costumo dizer, esteja onde estiver, não importa onde você mora, se tiver museus por lá, vá para museus e se familiarize com diferentes períodos e épocas, diferentes estilos (de decoração), quartos históricos, esses são muito importantes ver de perto para entender a configuração de móveis e se não tiver museus por perto, procure online e realmente mergulhe nesse universo e não apenas em decoração, sabe?
Mergulhe em filmes, óperas, livros, coisas com bastante descrições, realmente abra sua mente pra tudo isso, porque você pode ser chamado para fazer uma decoração contemporânea ou de época, algo futurista, e todos são muito diferentes um do outro e quanto mais você souber disso e mais notar as diferenças, melhor. Familiarize-se com artistas, paletas de cores, padronagens, tudo o que pode te inspirar, mas pra isso é preciso sair por aí, viajar se puder e absorver tudo o que você puder.