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[Review] Coringa



Por Victoria Hope

Não sabia exatamente o que esperar assim que entrei na sala de Coringa, porém tinha plena certeza de que sendo um erro ou acerto, Joaquin Phoenix entregaria um trabalho primoroso, afinal ele é artista de Método e foi uma felicidade imensa perceber que meu palpite se tornou realidade.

Com tanto hype em cima de um filme que sequer foi lançado, sites como Rotten TomatoesMetaCritic e Letterbboxd, contribuíram para que uma legião de fãs do personagem aprovasse o longa e a onda de elogios não parou por aí, pois durante o lançamento no Festival de CannesCoringa foi ovacionado pela crítica e logo em seguida, o filme ganhou o Leão de Ouro no Festival de Veneza.

Coringa é sem dúvidas o filme mais original dentro da leva de 'filmes de super heróis' que eu já vi dentro do gênero, porém a história bebe demais de fontes como clássicos 'Taxi Driver', 'Laranja Mecânica' e 'O Rei da Comédia'.

Se você não conhece pelo menos um dos filmes citados acima, recomendo que assista para entender totalmente as referências utilizadas no filme, principalmente para absorver o personagem de Robert DeNiro na trama. A quantidade de citações indiretas ou diretas à esses clássicos de ação não chega a ser incômoda, porém demonstra um certo medo de usar mais da criatividade para criar uma história completamente nova.

Cena de Joker / Warner Bros.
Joaquin Phoenix consegue se superar em Coringa, capaz de demonstrar não apenas um, mas três, até mesmo quatro sentimentos em cada frame e ele não falha em nos fazer sentir empatia pelo personagem no início, assim como também não falha em nos fazer odiar o personagem a partir do momento em que ele se torna o grande vilão da história.

Começamos a trama conhecendo um pouco da rotina diária de Arthur Fletcher, um homem neuro atípico e pobre que cuida de sua mãe acamada. Ele trabalha em diversos empregos e bicos para conseguir sustentar os tratamentos que sua mãe precisa, mas mesmo assim, mal ganha para comprar seus próprios medicamentos 'tarja preta'.

Por ter sintomas de diversas questões mentais como depressão e uma 'ramificação' de Síndrome de Asparger que o faz rir descontroladamente, Arthur se vê em um beco sem saída, trabalhando em um péssimo bico de palhaço, onde é humilhado por pedestres e colegas de trabalho o dia inteiro por sua condição.

Se o Coringa de Heath Ledger era assombroso porque parecia ser uma força da natureza, o Coringa de Joaquin é absolutamente humano. Arthur não é uma idealização de um conceito, ele é uma pessoa com motivações nítidas, apesar de que nem tudo que ele faz é planejado, pois não sabemos o que esperar nem de Arthur, muito menos desse Coringa. Ambos são extremamente instáveis.

Coringa em uma das cenas do filme / Warner Bros
A partir do momento em que Arthur se torna o Coringa, o filme começa a ganhar um novo tom, bem mais sombrio e melancólico, apesar de que o primeiro ato é tão intensamente soturno.

Tudo na trama é absolutamente sombrio como deveria ser e apesar de não ter muita ação prática, o filme consegue de forma primorosa apostar nos jogos mentais do vilão para nos guiar por dentro da mente diabólica do personagem.

Em alguns momentos o filme até tenta mencionar questões políticas e sociais, mas nesse quesito, fica ligeiramente 'em cima do muro', apesar de atacar temas como o capitalismo e a desumanização das pessoas, principalmente cidadãos menos abastadas como Arthur e sua mãe que mal vivem do wellfare.

Isso seria algo ruim? Não necessariamente, pois o próprio personagem Coringa é um agente do caos e a própria trama muitas vezes segue essa mesma linha. Nunca sabemos de que lado o protagonista está, apenas sabemos que ele tem fortes críticas a camada mais rica de Gotham, principalmente contra a família Wayne.

Coringa em um de seus devaneios / Warner Bros
O personagem Coringa defende a ideia de que as coisas no mundo precisam de caos, que precisam ficar muito ruins e deploráveis para que as pessoas se incomodem e comecem a querer mudar a realidade de verdade e isso é um dos pontos que faz o protagonista ganhar tantos seguidores na trama.

Enquanto Arthur ainda é apenas um palhaço de loja de penhores, mesmo com tanta tristeza, ele ainda possuía um resquício de esperança de que as coisas iriam mudar, mas a partir de o momento em que empresários o atacam em um metrô após um dia horrível de trabalho, é aqui que o personagem cai completamente no fundo do poço e entende sua verdadeira 'vocação'.

Infelizmente, todos os personagens que não são o Coringa foram mal utilizados na trama, com atuações apagadas e mornas e isso inclui até mesmo o ícone Robert DeNiro, que não combinou muito com o papel de host de programa de auditório.

Zazie Beetz ao lado de Joaquin durante aso filmagens / Warner Bros
Uma das maiores críticas positivas que tenho quanto ao filme é o fato dele trazer tanta representatividade para as telas, principalmente quando filmes do gênero relegam essa representação tão necessária para a mídia. 

Para mencionar outro ponto que pode ser visto como negativo para alguns, o comportamento de Joker, hora seja no stalking ou em sua ideia de 'superioridade' quanto aos outros próximo ao final do filme, pode sim ser lido por alguns fãs mais 'instáveis' como comportamentos corretos de um 'anti herói', ao invés de um vilão. O filme peca em não deixar clara a mensagem, fazendo com que pareça que a vingança pessoal do personagem tenha algo a ver com política e seja justificável de alguma forma, ainda que o personagem afirme várias vezes que não tem absolutamente nada a ver com política.


Agora o maior ponto positivo além da atuação de Joaquin é o fato de que geral, o filme faz um bom trabalho em demonstrar a importância de remédios para pessoas neuro atípicas em tratamento e também mostra o que pode acontecer quando a pessoa abandona os medicamentos e simplesmente escolhe ignorar os conselhos de seus terapeutas.

A fotografia impecável, assim como os takes de dança do Coringa, são um show à parte e valem os elogios que diversos festivais de cinema internacionais vem tecendo e mesmo com aspectos que apontei, o filme ainda surpreende e o final me deixou sem palavras, com vontade de assistir novamente para entender de fato tudo o que eu havia presenciado.

Fãs do personagem com certeza não sairão decepcionados, mas vale lembrar para os pais que ainda insistem em levar seus filhos para filmes como 'Deadpool', que Coringa é um filme para adultos. É violento, cruel, mas talvez seja justamente injeção de ânimo necessária que o universo cinematográfico da DC precisava.


Coringa estreia nos cinemas brasileiros no dia 03 de Outubro.


Nota: 9.3 / 10

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