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Entrevista com Baya Kasmi, a hilária diretora da comédia O Livro da Discórdia

 Por Victoria Hope

Na comédia 'O Livro da Discórdia' de Baya Kasmi, Youssef Salem tem 45 anos, é descendente de uma família de imigrantes argelinos e vive em Paris onde se dedica à escrita. Após uma série de contratempos, ele decide escrever um romance parcialmente autobiográfico, inspirado na sua juventude e em particular nos tabus que rodeiam a sexualidade no ambiente onde cresceu. 

Na trama, o livro provoca um debate público apaixonado, mas também gera uma tensão no seio da sua família, que Youssef tentará manter unida o melhor que puder. Com tantas produções mais recentes que abordam a temática da sexualidade o tabu em torno dela, 'O Livro da Discórdia' é uma bela surpresa que deixa um quentinho no coração ao abordar o lado familiar de toda a questão, afinal, muita gente vai se identificar com a história de Youssef e sua família. 

Durante o Festival Varilux, a hilária diretora Baya Kasmi veio ao Brasil para divulgar o longa, que estará em cartaz até o dia 22 de novembro nos cinemas e nossa equipe teve a oportunidade de bater um papo com ela sobre sexualidade, tabus, família e comédia!

O Livro da Discórdia / Foto: Festival Varilux, divulgação

Amélie: O filme é uma ótima comédia que toca em diversos tabus. De onde surgiu a ideia para explorar esses temas no filme?

Baya: Eu queria partir dessa ideia do romance que partiu de Adão e Eva, tipo, 'coma a maçã tóxica'.  (risos). É verdade que nas culturas magrebina e mulçumanas, onde a religião tem uma importância muito grande, as questões de homossexualidade e casamento podem criar tensões e as pessoas tem essa tendência de ter essa vida escondida dos pais. Claro que isso é universal, porque muitas comunidades e países tem esses questionamentos próprios das religiões também,

Amélie: Em um momento, todos os filhos decidem jogar um caminhão de segredos em cima da coitada da mãe entregando um momento absolutamente cômico. Como foi filmar essa cena? 

Baya: Foi muito emocionante e engraçado porque todos os atores já passaram por alguma situação assim na vida e eles estavam com medo de chocar Noémie Lvovsky, a atriz que interpreta a mãe, com isso. Mas todos se emocionaram, todos tiveram vontade de chorar quando a irmã começou a falar, se criou um 'incômodo' que eu nem precisei dirigir, porque ele simplesmente surgiu (risos).

Amélie: Como foi o processo de casting?

Baya: Eu trabalhei com uma diretora que gosto muito e para alguns personagens eu já sabia, principalmente o protagonista interpretado por Ramzy. Eu escrevi esse personagem para ele e antes eu já tinha feito dois filmes com ele. 

Tive essa ideia há sete anos, conversei com o Ramzy e ele apoiou e aceitou logo de cara. Demorou um tempo porque eu estava sem produtora na época, mas fiquei muito feliz que ele me apoiou desde o começo e isso me ajudou demais. Aí quando eu finalmente encontrei a produtora, ele gravou o filme comigo.

Já a família, para criar esse núcleo, o processo demorou um pouco mais, porque foi se colocando uma pessoa após a outra. Por exemplo, a irmã na cena do carro, é irmã da vida real de Ramzy e ela é muito engraçada, mas ela também não se parece muito com ele (fisicamente) e eu precisava compor a família com algumas semelhanças, por uma questão de energias mesmo, pessoas com energias muito forte como a irmã e o padeiro e também um lado mais intelectual como o da outra irmã e do próprio Ramzy, então foi um jogo de inspiração, onde construímos tudo como um lego (risos), encaixando as peças pouco a pouco.

Amélie: Falando sobre tabus principalmente relacionado à sexo. Quem está online, é nítida a percepção de que a geração mais nova hoje, especificamente a geração Z, aparenta hoje ter muito mais puder relacionado à questões quanto a sexualidade ou até mesmo o pudor de gerações mais antigas. O que pensa sobre isso? 

Baya: Concordo, é a volta da religião como instituição. A França é um país com uma cultura católica muito forte, vimos isso quando houveram aquelas manifestações contra o casamento homoafetivo, pois eles, os católicos, foram para as ruas para impedir isso. E na minha cultura magrebina e mulçumana, já estamos na terceira geração.

A primeira geração que nasceu lá na França e é filha dos imigrantes magrebinos, sofreu muitas humilhações, então a segunda geração já tentou se libertar disso, mas agora a terceira, já está demonstrando querer voltar às tradições, querendo demonstrar um pertencimento maior à cultura, ou seja, uma volta aos costumes mais tradicionais e até mais radicais. Eles são minoritários, mas existe aquele pensamento de 'Ah, só porque eu nasci na França, porque eu preciso ser francês?'

Eu tenho uma amiga de uma filha que em uma obsessão e é interessante, porque ela usa véu, mas os pais dela, as mulheres da família dela, já não usam, então a gente nota essa volta e essa 'rebeldia' contra os pais, mas de uma forma diferente. Mas essa amiga da minha filha, veio assistir ao filme na estreia e foi engraçado que em alguns momentos, ela mesmo não concordando com algumas coisas ditas no filme, o filme criou esse espaço de conversa e de discussão com ela e as amigas, então isso é muito interessante.

Fizemos uma exibição do filme no bairro onde ele foi filmado no sul da França, perto de Marseille. É uma comunidade com muitos magrebinos e muitos mulçumanos. Quando eles estavam assistindo filme, alguns até desviaram os olhos em alguns momentos, mas isso é ótimo, porque isso provoca as pessoas à olharem para si mesmos. 

Amélie: E qual é a lição que o público vai poder levar do filme para a vida?

Baya: A liberdade de escolher falar ou não a verdade, a liberdade de fazer tudo como se deve ou nada como se deve (risos). Uma família unida, mesmo que na cozinha tenha uma briga, onde todo mundo berra e fala as piores coisas uns pros outros, ela se mantém unida.

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