Por Victoria Hope
Ainda na nossa cobertura da 48º edição da Mostra de São Paulo, nossa equipe teve a oportunidade de entrevistas Jeffrey St. Jules, diretor de cinema e roteirista canadense, que ganhou o Prêmio Claude Jutra em 2015 por seu longa-metragem de estreia Bang Bang Baby e o filme também ganhou o prêmio de Melhor Primeiro Longa-Metragem Canadense no Festival Internacional de Cinema de Toronto de 2014.
Foi o primeiro cineasta do Canadá selecionado para a residência artística do Festival de Cannes, onde desenvolveu seu longa-metragem de estreia, “Bang Bang Baby” (2014), que, posteriormente, venceu o também o prêmio de melhor filme canadense no Festival de Toronto. Também dirigiu o longa “Cinema of Sleep”, em 2021.
Em seu novo drama sci-fi "O Planeta Silencioso", que fez parte da programação oficial da Mostra desse ano, o diretor explora temas como solidão, a importância do perdão a importância de não esquecer, mas sim ressignificar o passado para seguir em frente no presente.
Amélie: Durante o debate pós-estreia de "O Planeta Silencioso" na Mostra de SP, você falou que já se pegou imaginando como seria morar no espaço isolado. Essa foi sua principal inspiração para o filme?
Jeffrey: Realmente, não foi um sonho, mas foi mais como uma fantasia, sabe? Eu acredito que tem muito a ver com escape, sabe? Acredito que essa seja a principal fantasia, se isolar do mundo quando estiver irritado ou quando quiser paz. Sempre fantasiei com isso de viver sozinho em um outro planeta, parece ser algo muito interessante *risos* Mas é claro que na hora, eu não pensei o quão solitário e devastador isso seria e é exatamente por esse processo que o protagonista do filme está passando, a realização de que a solidão o assola.
Claro que todos nós vez ou outra queremos fugir de tudo e todos e nos isolarmos, então essa fascinação minha por esse tema, foi o que me levou a escrever "O Planeta Silencioso". Quando eu era pequeno, inventei esse planeta diferente e eu inventava histórias dizendo que eu era de lá, era hilário.
Amélie: E o pequeno Jeffrey, que sonhava em viajar para um planeta isolado, o que ele acharia de você hoje?
Jeffrey: *Risos* Minha nossa, eu não seis e o meu eu criança iria querer falar comigo. Mas isso é muito interessante, não é? O que eu gostaria que meu eu mais novo soubesse? Hmmm, acho que eu faria o mesmo que faço com meu filho! Sabe, quando converso com ele, eu sempre faço questão de reforçar para ele que existe um mundo para muito além do que ele imagina; a vida é mais do que escola e lições, então eu costumo dizer pra ele não levar tudo muito a sério, essa era um conselho que eu adoraria ter tido quando mais novo.
E é claro, o meu eu pequenino não acreditaria que eu sou um diretor hoje *risos*. Eu sempre quis trabalhar com filmes, mas isso era algo muito distante, já que eu não cresci com muitas influências assim na vida, então acho que parte de mim até acreditaria um pouquinho, mas para a outra parte, isso seria inimaginável.
Amélie: Quais são os três diretores que o inspiram até hoje?
Jeffrey: Começando desde o meu primeiro filme, minha maior inspiração era o David Lynch, porque foi a primeira vez que notei que não precisava seguir todas as regras para explorar histórias diferentes. eu também sempre gostei do filme "Os Guarda-Chuvas do Amor", porque toda a emoção que ressoa nele é inspiradora. Jacques Demy trouxe esse musical para a 'vida real' nessa história e isso me tocou porque era uma fábula sobre a vida e enfim, eu tenho muitos diretores que me inspiram e recentemente eu assisti aquele filme fantástico chamado "I Saw the TV Glow" de Jane Schoenbrun e esse filme me encantou muito.
Amélie: Falando em inspiração, em O Planeta Silencioso, vimos dois personagens extremante diferentes tendo que conviver. Essa foi sua ideia inicial?
Jeffrey: Exato, eu queria que eles fossem duas pessoas de ambientes completamente diferentes, pessoas que no mundo real jamais se conectariam porque não tem absolutamente nada em comum, sabe? Eu queria que fosse mesmo mais difícil para eles se conectarem, o choque geracional era necessário.
Amélie: E a personagem Niyya quer a todo custo se distanciar ainda mais de Theodore e isso vai além da diferença de idades, certo?
Jeffrey: Isso! Niyaa foi criada por alienígenas, então ela tem essa espécie de auto ódio da própria raça dela, que é humana, porque por mais que ela tenha sido criada por aliens, ela é essencialmente humana, assim como Theodore. Ela odeia os humanos pelo que eles fizeram com a família dela, mas ela não pode s esquecer que ela também é igualzinha aos humanos que ela tanto despreza, então ela tem essa dificuldade em aceitar a própria humanidade dela, mas aos poucos, bem aos poucos, ela vai aceitando essa parte de si mesma.
Amélie: Qual foi o maior desafio durante as filmagens?
Jeffrey: Tudo o que acontece dentro da mina, porque de última hora, tivemos que mudar o planejamento do que fizemos no primeiro dia e nós tínhamos que filmar muitas coisas ainda, mas não estávamos mais juntos, então essa não foi a melhor forma de começar tudo, mas aí quando fomos para o estúdio gravar o interior, aí foi muito legal, mas o início foi realmente desafiador.
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O Planeta Silencioso / Foto: Mostra Internacional de Cinema |
Amélie: Se você pudesse dirigir uma nova história, um projeto com temática que você ainda não explorou, qual seria?
Jeffrey: Em termos do que vou fazer agora, após esse projeto, eu sempre dirijo projetos que vão para o lado da fantasia e que são desconectados da vida real, mas é claro que sempre existe uma conexão emocional ali, assim como na vida real, para mim pessoalmente, porém, o mundo precisa ser algo totalmente descolado da realidade.
Então estou desenvolvendo esse outro projeto agora, baseado no folclore local passado pela minha família e inspirado por histórias que crescemos ouvindo na minha família, que é um povo de cidade pequena lá no Canadá e vai ser um filme de época, mas ainda estou trabalhando nele, então ainda não tenho nada muito concreto ainda, mas sei que quero algo bem voltado ao surrealismo e que explore minhas raízes e origem.
Amélie: Você se identificou com algum dos personagens de O Planeta Silencioso? É mais Theodore ou Niyaa?
Jeffrey: *Risos* Eu sinto que na verdade me identifico com os dois e me vejo em ambos de formas bem distintas. A forma determinada que Niyaa começa sua missão, me lembra muito das atitudes que eu teria se estivesse no lugar dela e ela é meio dura com ela mesma, assim como eu sou e eu me identifico com o Theodore porque as vezes eu gosto de escapar para o mundo da fantasia da minha cabeça e me isolar, então eu me conecto com os dois. Sou uma amalgama de Theodore e Niyaa!
Amélie: Três palavras definem "O Planeta Silencioso"?
Jeffrey: Eu gosto muito da palavra comunidade, é sobre ter uma conexão e se conectar com o outro. A segunda seria autoaceitação. Se encarar e se aceitar, é importante e não acreditar nas coisa horríveis que sua mente diz sobre você mesmo, é o primeiro passo e talvez Perdão? Se perdoar, mas o perdão não é algo individual, pois a pessoa, para se perdoar, muitas vezes conta com a validação de outra, como no caso de Theodore, porque é assim que nós somos como humanos. Nós buscamos validação do outro o tempo inteiro, então acho que essas são as palavras que definem bem o filme.