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Sundance 2023 | Veerle Baetens abre seu coração sobre o emocinante drama 'When it Melts'

 

Por Victoria Hope

Durante o Sundance, nossa equipe teve oportunidade de conversar com a atriz veterana e diretora Veerle Baetens em sua estreia direcional 'When It Melts', adaptação inspirada no best seller 'The Melting' da autora belga Lize Spit. O título concorre na Competição de Drama Internacional no festival. 

Na trama, acompanhamos a vida de Eva, uma garota emocionalmente distante e isolada pelos próprios pais, que vê sua vida mudar drasticamente, em um trauma que vai deixar marcas profundas na menina até o fim de seus dias. Com excelentes atuações e um roteiro de quebrar o coração, 'When In Melts' apresenta um conto que infelizmente pode ter acontecido com muitos ao redor do mundo.

O filme é ambicioso, audacioso e não tem floreios em abordar temáticas pesadas e provocativas que vão fazer o público refletir muitos acontecimentos que acontecem durante a adolescência, que por si só já é um momento difícil na vida de muitas pessoas, então quanto a isso, vale destacar o excelente trabalho do elenco, principalmente da atriz adolescente, Rosa Marchant e também é importante comentar que o elenco inteiro faz um ótimo trabalho, mas que é no elenco mirim onde a trama ganha mais força.

Com muito bom humor e leveza, Veerle comentou sobre e a construção desse filme emocionante, abordando desde o processo artístico critivo, à direção, roteiro e escolhas que fazem desse drama um título inesquecível.



Amélie: Desde o início do filme, sentimos uma certa tensão no ar. Pensando nisso, como foi dirigir esse filme inspirado em um livro tão pesado?

Veerle: Foi um longo processo, porque eu amo o livro, fui tocada por ele, então foi uma tarefa bem elevada porque o livro tem umas 450 páginas e nós tivemos que 'enxugar' isso ao máximo. Fora que essa história toca em tópicos muito pesados, então eu queria humanizar (essa trama), trazer algo mais aquecido. Principalmente na hora de escolher o roteiro, foi uma longa jornada, mas uma vez que ele estava pronto, a filmagem, talvez para mim que tenho mais de 20 anos de atuação, por estar em sets grande parte do tempo, as filmagens foram como um verdadeiro paraíso (risos). 

Não sei descrever, foi muito divertido filmar essa história, então no geral não achei que foi um processo muito complicado, acho que o que mais levou tempo foi o roteiro mesmo, principalmente porque estive por trás tanto da direção quanto do roteiro, que escrevi ao lado de meu corroterista. 

Amélie: O filme toca em um tema complicado, que é a infância e adolescência, principalmente de muitas garotas que tem amizades quase que exclusivamente com meninos. Sabemos que a infância pode deixar marcas, então porque você acha que essa é uma história importante a ser contada nesse momento, quando falamos de cicatrizes da infância que levamos para a vida toda? 

Veerle: Quando eu li o livro, me identifiquei demais com a Eva criança aos 13 anos, porque eu sempre me senti a 'menos bonita', ou a 'menos popular', a menos 'inteligente' e a 'menos engraçada'. Fui uma criança muito sensível ao olhar que os outros tinham sobre mim e como as pessoas me percebiam. Eu era uma people-pleaser, aquela que sempre tentava agradar as pessoas e de alguma forma, continuo sendo.

Eu acredito que as garotas são mais submetidas a agradar à todos, principalmente aos homens e isso ainda está enraizado em nossa sociedade. Acabei de fazer uma audição para um papel feminino em uma série de TV e na trama só tem dois papéis femininos, então na minha audição eles olharam e disseram 'Uh, nós precisamos de uma certa 'iluminação' para a personagem feminina, mulheres precisam ser 'iluminadas' (animadas), e eu pensei, novamente essa mulher é colocada em um papel 'esteriótipo' em que precisa ser bonita, ser sensível, então sabe, isso é algo que nós mulheres acabamos carregando a vida toda, nos 'temos' que agradar. 

Enfim, eu acredito que o filme é um pouco sobre isso, mas também sobre uma solidão imensa de quebrar o coração das duas personagens, tanto da jovem Eva quanto da Eva adulta. Tudo o que elas querem é ser vistas e ser amadas, mas elas não conseguem porque elas não conseguem se amar, então elas ultrapassam seus próprios valores para ser amadas. 

Amélie: De certa forma, a sociedade realmente nos obriga a agradar o tempo todo, principalmente na indústria e no dia a dia. Muitas se calam sobre isso e é muito solitário, como Eva, que se calou por muito tempo sobre o que aconteceu com ela. 

Veerle: Exatamente e o filme toca nesse ponto, porque quando você guarda isso por muito tempo, isso cria algo podre por dentro, algo que vai tomando conta de seu corpo e foi o que aconteceu com a Eva no filme. Ela guardou tudo isso por muito tempo e essa solidão que você comenta é sobre isso, mas no meu caso, eu aprendi a ser essa pessoa que agrada aos outros, porque tive liberdade para ser criativa e  de me expressar da forma que quero, por exemplo, já Eva não tem essas ferramentas em sua bolsa, então isso é algo que me fascina.

Aliás, isso não é apenas sobre mulheres, quando eu vejo qualquer pessoa carregando um peso tão grande na vida delas, eu quero muito entender o motivo e acho que consegui fazer isso com o filme. Quando você guarda algo por tanto tempo, juma hora isso pode ter um resultado explosivo, pode ser algo que pode causar ameaças reais a vida das pessoas.

Por exemplo, se ela tivesse se vingado ainda mais, esse seria um filme de vingança, mas não é um filme de vingança, tanto quanto é um filme que tem vingança envolvida, mas é sobre se libertar e ela não podia falar abertamente sobre o que aconteceu com ela, porque ninguém iria acreditar se ela falasse o que ela passou com todas as palavras. Essa personagem já está quebrada e ferida antes mesmo de chegar ao local da festa, então o que ela faz, segue uma linha de raciocínio porque ela sabe o que vai acontecer em seguida. Ela sabe que esse é o fim, então falar sobre isso é impossível, então fazer o que ela fez (ir até cerimônia) já é difícil por si só. 

When it Melts / Foto: Sundance

Amélie: O elenco é impecável. Como foi o processo de escolha dos atores para esse filme? Você fez parte da escolha do casting?

Veerle: Claro! Eu não deixaria nenhuma etapas desse filme fora da minha alçada (risos). A escolha do elenco também foi um processo bem longo. Inicialmente eu queria escalar as crianças, porque eu sei que é um processo mais difícil em termos de encontrar os atores mirins certos, então para escalar o as crianças, fizemos workshops, então eles estavam com outras pessoas no set, então tiveram oportunidade de crescer e se sentir mais confortáveis. 

Primeiro escolhemos a Eva, a Rosa, garota incrível, aí escolhemos também os dois amigos de Eva, e então escolhemos Elisa e as outras garotas, sendo que uma delas também fez audição para o papel de Eva, então mantivemos as melhores da audição no elenco e aí sim começamos a escalar os adultos. No momento de escolher, inicialmente tive Charlotte, porque queria alguém fisicamente parecida com a Eva criança, Eu já a conhecia e a coloquei para espelhar Rosa em algumas cenas e funcionou perfeitamente.

Amélie: Como diretora, qual é o seu projeto dos sonhos, caso planeje fazer outro longa após esse.

Veerle: Haha, eu posso dizer que já tive uma conversa com um autor inglês de uma peça e essa conversa está em andamento, mas não posso falar muito sobre isso. É meu sonho adaptar essa peça que é algo completamente diferente de When it Melts, mas ao mesmo tempo, é uma história sobre o indivíduo versus a sociedade. Eu adoro essa área de alguém que está sozinho e oposto à outras pessoas. 

Amélie: Poderia citar três filmes que todos que amam filmes deveriam assistir e que marcaram sua vida? 

Veerle: Dançando no Escuro seria o primeiro com certeza. Eu venho de comédias musicais, estudei isso, então quando penso em comédias musicais e esse filme é muito tocando, pesado e as vezes você sabe, um filme musical é menos sobre a música e mais sobre a temática. Beleza Americana também é um de meus favoritos, acho esse filme muito bem construído, é quase perfeito, quase uma perfeição americana (risos). Um que marcou demais minha juventude também é um musical, que é ´Hair'. Existem tantos filmes bons, como Quem Tem Medo de Virginia Wolf, que é uma obra de arte ou Um Bonde Chamado Desejo também. Acabei ultrapassando três filmes, mas esses títulos me marcaram demais. 

Amélie: Se você pudesse deixar uma mensagem para aspirantes a diretores, principalmente mulheres que sonham em dirigir suas próprias histórias, qual seria?

Veerle: Tempo. O tempo demanda demais e para fazer um bom filme, você precisa de tempo. É sempre uma batalha conseguir tempo, então acho que não tem muita diferença entre mulheres e homens, mas esse é um mundo dominado por homens, é uma luta. Mesmo que as pessoas não entendam, tome seu tempo para ser entendida, mas acredito também que dirigir é sobre ouvir. Ouça mais pessoas, porque eu ouço muitas pessoas. Tem muitos criativos que pensam 'não, esse é o meu jeito' e no fim você acaba fechando portas.

Se rodeie de pessoas criativas, pessoas que acreditam em você. A coisa mais difícil é quando as pessoas não acreditam em você e não te apoiam, então para combater isso, você precisa estar rodeado de pessoas em que você confia e pessoas que também confiem em você. 


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