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SXSW 2022 | Entrevista com Bivolt, rapper brasileira que marcou o lineup do festival

 

Por Victoria Hope

E termina mais uma edição do South by Southwest, (SXSW), que aconteceu entre 11 a 20 de março em Austin no Texas, com o melhor do entretenimento, filmes  dos mais variados, muita música e novidades na área da tecnologia. 

Claro que não poderiam faltar nomes nacionais nesse lineup mais do que especial do Festival de Música do SXSW, que contou com a rapper paulista Bivolt, marcando presença nessa edição representando o rap nacional em três shows durante o evento, incluindo um no primeiro dia, SP Day com foco no público brasileiro, o segundo aconteceu no Flamingo Cantina, lugar clássico de shows e o terceiro para fechar a programação aconteceu no International Day Stage na Brush Square.

Conseguindo se destacar no cenário do rap, a paulistana Bivolt, conquistou indicação ao Grammy Latino de 2020 e demonstra a importância da representatividade nesse meio dominado por homens, onde a presença feminina ainda é escassa até hoje. 

Em um ano do SXSW onde mulheres foram destaque nos palcos, ver um nome brasileiro periférico nos em um dos maiores eventos de Austin é sem duvida um grande orgulho e uma vitória. Aproveitando esse finalzinho do evento, nossa equipe bateu um papo com a cantora para mergulhar em sua carreira e saber um pouco mais sobre como foi essa experiência. 

Bivolt no palco do SXSW 2022 / Foto: Flávio Melgarejo

Amélie: Como foi a experiência de fazer parte do lineup de um dos maiores eventos de entretenimento do Texas? 

Bivolt: Foi bem louco. Primeiramente, quando veio a notícia, eu não estava sabendo, porque a gente fez a inscrição antes da pandemia, então sabe quando a cabeça já nem está mais pensando naquilo? Aí saiu o nome da lista de pessoas e meu nome não saiu lá e de repente chegou um email todo em inglês falando que eles tinham interesse no nosso show. 

Eu pensei 'Peraí, eu vou fazer meu primeiro show internacional nos Estados Unidos? É isso mesmo?' Não to acreditando'. Fiquei chocada e feliz. Essa era mais uma das coisas que eu imaginei pro projeto da minha vida, mas não tão cedo e cara, foi incrível, fui muito bem recebida, me senti acolhida, amada, a energia da galera é diferente, pronta pra receber o que é diferente, sabe? 

Porque uma coisa é você cantar para pessoas que não te conhecem, por exemplo, mas falam sua língua, outra coisa é você fazer um show para pessoas que tem a expectativa sobre alguém que eles não sabem nada sobre. Foram três shows que eu fiz por lá, só posso dizer que superou mil vezes a minha expectativa e ganhei vários fãs americanos (risos). 

Amélie: E a energia do público nesses três shows? Consegue descrever?

Bivolt: O primeiro dia era mais voltado para business, então tinham empresários de São Paulo, falando sobre inovação e futuro. O SXSW é um evento marcado pela inovação, é um festival de tendências, então fico feliz em saber que eu sou uma tendência, então foi legal porque pude falar em português, mas aí chegou o desafio, que foi o segundo show 'vamos ver se essa garota vai arranhar no inglês' e deu certo.

Botei os gringos pra falarem português (risos) e assim que eu cheguei no Cantina Brasil, pensei que meu primeiro show seria vazio, mas vou fazer valer a vida de cada um aqui. Percebi que cheguei adiantada, porque quando minha equipe foi montando, começou a chegar um monte de gente e aí a gente fez um show com uma energia incrível e eu consegui fazer transparecer tudo o que eu estava sentindo.

O segundo show foi o mais emocionante, o mais marcante, como se fosse aqui no Brasil. Me entreguei de corpo e alma, o som estava maravilhoso. Saí de lá muito orgulhosa e ter saído do meu país e ter feito o que eu sei fazer de melhor e poder passar minha cultura, um pouco da minha história, um pouco do nosso movimento e passar isso lá na gringa foi emocionante[a cantora pausa emocionada] e no terceiro show eu já estava mais confiante, dentro do espírito do show passado.

As pessoas elogiaram meu estilo e assim, no meu país, quem dita a moda que eu sigo é a periferia e o que está na passarela também é influência dela. Tudo que é muito incrível, que é inovador, tudo nasce na favela, digo isso com propriedade porque eu saí da quebrada, mas a quebrada não saiu de mim. 

Amélie: Você teve também a oportunidade de conferir alguns shows durante o festival?

Bivolt: Muito. Quando eu tive um dia de folga, vi show do T-Pain, eu vi o show do Gana, vi show do Young Thug, nossa, que aulas e palestras, sabe? Poder ver esses caras de perto, ver como funciona, eu tinha muita curiosidade em ver artistas de trap internacionais. 

Foi muito legal ter contato com os caras e eu vi show de muitos amigos que fiz por lá também e estavam no lineup, tipo Tribe Mafia. Consegui ver um pouco da cultura underground e do mainstream ao mesmo tempo, pra ver como funciona então isso foi muito importante para aprender, curtir e me divertir também.

Amélie: Poderia nos contar sobre as escolhas do setlist para o SXSW? Como foi essa decisão?

Bivolt: Eu procurei as músicas mais diferentes, escolhi o que tinha mais a cara do Brasil e que eles ainda não tinham ouvido, então toquei música antiga do primeiro álbum e do segundo álbum, porque acho que é um pouquinho do jeito demostrar minha trajetória através dessas escolhas, desde o comecinho da minha carreira até agora.

Abri o show com uma música antiga e terminei o show com uma música atual que me trouxe muita coisas, que foi 'Cubana', que me trouxe uma indicação ao Grammy, que toca na novela, que toca na rádio e que toca o coração de várias pessoas aqui também. Essas escolhas foram feitas para eu mostrar essa Bivoltinha brasileira, do começo ao fim. 

Muitas escolhas também traziam essa pegada regional, que traz o brega, por exemplo, 'Raspa Placa', 'Melhor da Vida', que traz o funk brasileiro, pra trazer essa energia. Eu sou bandeirinha do Brasil ali, quero mostrar o quanto a gente é rico na nossa arte, no que a gente faz. Nosso estilo é fod*, brasileiro é fod* e a NASA já sabe disso. A NASA estuda aqui pra aplicar lá (risos).

Amélie: Quais são algumas de suas maiores inspirações musicais até hoje? 

Bivolt: Racionais MC com certeza, Negra Li, MC Neguinho do Kaxeta, Lil Kim, Foxy Brown, Lauryn Hill, Erikah Baduh, e no geral, na minha vida, na adolescência, gostava muito do formato de grupo de rap com mulheres, porque sempre teve mulher no movimento, mas que ganhava palco, se destacava, não eram elas, porque mulher era muito marginalizada por um movimento que já era marginalizado, então, sempre me inspirei nas divas do hip hop. 

Por isso tenho muito carinho pelo trabalho da Negra Li, que é uma mulher fod* e que se mantém até hoje, vivendo a melhor fase, sabe? Depois dos quarenta nos chiquérrima, sabe o que está fazendo. Ela viveu ali o RZO, eles foram muito marcantes na minha adolescência. De grupo também tinha o The Fugees da Lauryn Hill, a Foxy Brown do The Firm, me inspiraram muito em questão de letras, atitude e essa coragem de debater com os caras nas rimas.

Eu saí de batalhas de rap, eu nasci como MC de batalha dentro da música, então eu me sentia muito poderosa ouvindo Foxy Brown, ouvindo Lil Kim. Quando eu traduzia as letras eu pensava 'nossa, muito f*da ver uma mulher falando abertamente sobre sexo dessa forma, onde eu só vejo homens falando sobre. Pra mim (essas mulheres) eram poderosas e foi nelas que me inspirei pra debater, porque de certa forma os homens me xingavam, falando como se for mulher fosse algo inferior. Eu debatia e levava pra consciência. Na minha época foi uma forma de reeducar o público, porque há 10 anos atrás, não tinha mulher batalhando, no Rio tinha a Nega Rê em SP tinha a Pri, em BH tinha a Bárbara, muitas vieram depois. 

Amélie: Mulheres vem ganhando casa vez mais espaço na cena do rap. Com isso em mente, qual recado gostaria de passar para meninas aspirantes que sonham em ter uma carreira nesse mercado?

Bivolt: Sigam em frente sem medo. Não abaixe a cabeça, vai lá e faz o seu, foque no seu, a grama do vizinho é sempre mais verde, mas é porque você está olhando do vizinho ao invés de regar a sua. Pessoas pra desmotivarem a gente vai existir em todo lugar. Gente machista vai ter em todo lugar. Pessoas intolerantes vão existir em todo lugar, então a gente tem que ir quebrando. A maior vitória, o maior jeito de se vingar das mazelas da vida, é ser bom no que você faz e ter sucesso. É a melhor resposta pra tudo.

"Ah, mas você é mulher, você não é tão boa assim", vai lá e mostra o que você faz e vamos ver se você não é boa assim, tá ligado? Ser mulher é difícil em qualquer lugar, é difícil, então o meu recado é esse, siga firme e faça o seu. 

Amélie: Em quais outros festivais você gostaria de marcar presença?

Bivolt: Todos. Todos os festivais que eu puder participar, eu vou querer. Queria voltar para o Rock in Rio, fui em 2017, mas queria voltar e cantar de outra forma, Lollapalooza também, João Rock, Coachella, sabe? Isso tudo faz parte do projeto. 

Amélie: E para fechar nosso papo, consegue definir como foi sua experiência no South By Southwest 2022 em três palavras?

Bivolt: Acho que não tenho palavras (riso). Seriam gratidão, orgulho e Brasil.

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